Se pensa que vou falar do oveiro-azulego, do oveiro-malacara ou do oveiro-rosado está enganado. O tema a abordar hoje não tem que ver com cavalos. Tão pouco vamos tratar de recipientes para colocar ovos, mas o assunto está naturalmente relacionado com eles. Do que se trata é de GENTE anónima, e muito trabalhadora, que não se poupou a esforços para garantir que o pão não faltasse aos filhos.
Lamentamo-nos muito hoje, e com razão, das dificuldades que enfrentam muitas famílias, mas esquecemo-nos ou ignoramos mesmo a vida dos nossos pais e avós que, na maioria dos casos, foi bem mais dura que aquela que hoje temos.
Nos meios rurais da Beira Interior, em que o regime fundiário predominante era (e ainda é) o minifundio, as populações viviam dos bens que a agricultura de subsistência, que praticavam, lhes fornecia. No caso particular da Benquerença a terra dava, a quem dela soubesse cuidar, o trigo, o milho, o centeio, a batata, o feijão e o azeite e também uma pinga de vinho, quase toda para consumo próprio. A existência de rebanhos de ovelhas e cabras (em menor quantidade) permitia alguma complementaridade a alguns na venda do queijo, da lã e mesmo de borregos e cabritos. Nesta aldeia, do concelho de Penamacor, situada na Cova da Beira, na margem esquerda da Ribeira da Meimoa, no sopé da Serra de Santa Marta, a maioria das famílias eram detentoras de pequenos terrenos de onde obtinham o necessário para (sobre)viver. Era raríssima a família que não possuía a sua própria casa, por mais modesta que fosse.
Vivia-se, portanto, com o que se produzia. Já o acesso a outros bens de consumo, de produção não local, era complicado, uma vez que o dinheiro circulante era um bem muito escasso. Muitas transações efectuavam-se em espécie: compravam-se duas ou três sardinhas com uma malga (cerca de um litro) de milho, com um litro de azeite comprava-se um litro de mel, ao Padre pagava-se a côngrua com um alqueire ou um meio de trigo, depedendo a medida das posses .... ...
Vivia-se, portanto, com o que se produzia. Já o acesso a outros bens de consumo, de produção não local, era complicado, uma vez que o dinheiro circulante era um bem muito escasso. Muitas transações efectuavam-se em espécie: compravam-se duas ou três sardinhas com uma malga (cerca de um litro) de milho, com um litro de azeite comprava-se um litro de mel, ao Padre pagava-se a côngrua com um alqueire ou um meio de trigo, depedendo a medida das posses .... ...
Para melhor se poder fazer uma ideia do que estou a falar devem os caríssimos leitores imaginar-se nas décadas de quarenta e cinquenta do século passado.
A obtenção de algum dinheiro só se conseguia com a venda dos produtos que eram, quando eram, produzidos em excesso. Outros conseguiam ganhar uns cobres trabalhando, como jornaleiros ou ganhões, para os mais abastados.
Mas havia nessa altura na Benquerença para aí umas seis ou sete pessoas, a que hoje quero prestar a minha homenagem que, para conseguirem ganhar algum, se dedicavam a uma curiosa actividade mercantil. Eram os Oveiros. Da sua própria produção e de terceiros, a quem os compravam, levavam ovos para a Covilhã, onde tinham já clientes certos interessados na sua aquisição.
Se a memória não me falha, todas as quintas-feiras acompanhavam, a pé, os burros ou machos em cujos alforges faziam transportar a preciosa carga. Apenas no regresso, já com os animais libertos do peso da mercadoria, viajavam montados. Saíam da Benquerença lá pelas três da manhã pelo (ainda hoje) chamado Caminho de Escarigo. Nunca soube rigorosamente o itinerário que seguiam mas tenho ideia que passavam pelos Três Povos, Peraboa e pela Quinta da França. Deslocavam-se quase sempre por caminhos a que só eufemisticamente se podia chamar de terra batida, dado que os mesmos eram cobertos de poeira no Verão e transformavam-se em lamaçais no Inverno.
Uma vez chegados à Covilhã, depois de uma caminhada de cinco a seis horas, só interrompida para descanso e alimentação de pessoas e animais, deixavam estes na oficina do ferrador que existia próximo da Rua do Rodrigo, procedendo em seguida à distribuição dos produtos pelas casas do(a)s clientes.
A mercadoria transportada não se resumia apenas aos ovos. Além deles levavam também galinhas vivas e até mesmo borregos e cabritos, igualmente vivos, que eram mortos e esfolados em presença do cliente, podendo-se assim garantir a sua genuína qualidade. É perfeitamente compreensível que fossem estes os produtos comercializados, visto que todos eles eram produzidos (criados) na Benquerença, o que já custa mais a entender é o facto de também levarem um outro cuja origem era de paragens bem distantes, o açúcar, pasme-se! Por que carga d'água entra ele nesta história? Poderá perguntar o leitor mais incauto. A sua utilização, nesse tempo, no meio rural era considerada um luxo!
Como certamente o prezado leitor não ignora, durante a segunda Guerra Mundial e nos anos que se lhe seguiram, dada a escassez que grassava, procedeu-se ao racionamento de muitos produtos, tendo para o efeito sido criada a IGA - Intendência Geral dos Abastecimentos. Pois era, o açúcar era um deles!
A maioria das famílias na aldeia eram numerosas. A existência de casais com oito e mais filhos era normal na altura. Esta circunstância permitia-lhes a atribuição de senhas de racionamento para aquisição de bens de consumo em quantidade proporcional ao número de elementos do agregado familiar. Era isso que lhes permitia adquirir açúcar em quantidade muito superior à que consumiam e que depois vendiam aos oveiros, que por sua vez canalizavam, via candonga, para a Covilhã, onde os hábitos alimentares eram substancialmente diferentes.
Pelas informações que julgo ter, por cada quilo de açúcar tinha-se um lucro de um a dois tostões, o que constituía uma achega para a obtenção de alguma liquidez, necessária para a compra daqueles bens e serviços não suceptíveis de ser adquiridos pela troca directa.
Já na década de sessenta esta actividade, com a emigração massiva para a Europa, sobretudo para a França e Alemanha, foi desaparecendo até se extinguir por completo.
No caso de o leitor notar qualquer imprecisão naquilo que escrevo, o que naturalmente pode acontecer, já que considero falíveis as fontes que utilizo, fico-lhe muito grato se quiser fazer o favor de me alertar. Todos temos a ganhar com isso. Todos os contributos serão bem vindos.
Passe bem, cuide de si, trate-se e mantenha aquele sorriso, mesmo na adversidade. Não leve a vida tanto a sério! Quando calhar voltamo-nos a encontrar e vamos falar, sem formalidades, das coisas simples, logo boas, que a vida ainda tem. Até lá.
jogilbo
Se a memória não me falha, todas as quintas-feiras acompanhavam, a pé, os burros ou machos em cujos alforges faziam transportar a preciosa carga. Apenas no regresso, já com os animais libertos do peso da mercadoria, viajavam montados. Saíam da Benquerença lá pelas três da manhã pelo (ainda hoje) chamado Caminho de Escarigo. Nunca soube rigorosamente o itinerário que seguiam mas tenho ideia que passavam pelos Três Povos, Peraboa e pela Quinta da França. Deslocavam-se quase sempre por caminhos a que só eufemisticamente se podia chamar de terra batida, dado que os mesmos eram cobertos de poeira no Verão e transformavam-se em lamaçais no Inverno.
Uma vez chegados à Covilhã, depois de uma caminhada de cinco a seis horas, só interrompida para descanso e alimentação de pessoas e animais, deixavam estes na oficina do ferrador que existia próximo da Rua do Rodrigo, procedendo em seguida à distribuição dos produtos pelas casas do(a)s clientes.
A mercadoria transportada não se resumia apenas aos ovos. Além deles levavam também galinhas vivas e até mesmo borregos e cabritos, igualmente vivos, que eram mortos e esfolados em presença do cliente, podendo-se assim garantir a sua genuína qualidade. É perfeitamente compreensível que fossem estes os produtos comercializados, visto que todos eles eram produzidos (criados) na Benquerença, o que já custa mais a entender é o facto de também levarem um outro cuja origem era de paragens bem distantes, o açúcar, pasme-se! Por que carga d'água entra ele nesta história? Poderá perguntar o leitor mais incauto. A sua utilização, nesse tempo, no meio rural era considerada um luxo!
Como certamente o prezado leitor não ignora, durante a segunda Guerra Mundial e nos anos que se lhe seguiram, dada a escassez que grassava, procedeu-se ao racionamento de muitos produtos, tendo para o efeito sido criada a IGA - Intendência Geral dos Abastecimentos. Pois era, o açúcar era um deles!
A maioria das famílias na aldeia eram numerosas. A existência de casais com oito e mais filhos era normal na altura. Esta circunstância permitia-lhes a atribuição de senhas de racionamento para aquisição de bens de consumo em quantidade proporcional ao número de elementos do agregado familiar. Era isso que lhes permitia adquirir açúcar em quantidade muito superior à que consumiam e que depois vendiam aos oveiros, que por sua vez canalizavam, via candonga, para a Covilhã, onde os hábitos alimentares eram substancialmente diferentes.
Pelas informações que julgo ter, por cada quilo de açúcar tinha-se um lucro de um a dois tostões, o que constituía uma achega para a obtenção de alguma liquidez, necessária para a compra daqueles bens e serviços não suceptíveis de ser adquiridos pela troca directa.
Já na década de sessenta esta actividade, com a emigração massiva para a Europa, sobretudo para a França e Alemanha, foi desaparecendo até se extinguir por completo.
No caso de o leitor notar qualquer imprecisão naquilo que escrevo, o que naturalmente pode acontecer, já que considero falíveis as fontes que utilizo, fico-lhe muito grato se quiser fazer o favor de me alertar. Todos temos a ganhar com isso. Todos os contributos serão bem vindos.
Passe bem, cuide de si, trate-se e mantenha aquele sorriso, mesmo na adversidade. Não leve a vida tanto a sério! Quando calhar voltamo-nos a encontrar e vamos falar, sem formalidades, das coisas simples, logo boas, que a vida ainda tem. Até lá.
jogilbo